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Moro, o “ex-juiz” do Estadão

É parte das minhas atividades de análise textual ler editoriais de jornais. Os do Estadão me fascinam pela maneira como a verdade do jornal é construída semanalmente através dos editores.

É batata: ao se falar sobre política e eleições, você vai se deparar com os termos “lulopetismo”, Bolsonaro sendo chamado de “ex-capitão”, Lula sendo referido das maneiras mais curiosas. A mais recente delas: demiurgo de Garanhuns. Às vezes me pergunto se não é o próprio Temer quem escreve os editorais, tamanhas as firulas linguísticas escolhidas para dar um tapa de suposta erudição aos textos.

Mas hoje eu não quero falar dos elementos que apontei acima. Hoje eu quero falar do referente escolhido pelo Estadão para apresentar Sergio Moro. Pense aí: quais palavras poderiam designar Moro em termos de trabalho? Eu começo: “ex-ministro de Bolsonaro”, seu último cargo público de relevância (risos), é uma das formas que me vem à mente. Mas, claro, ela não é a única: a língua é múltipla e diversa, é possível encontrar diferentes formas de se referenciar a alguém. E é aqui que os referentes nos mostram o quanto são importantes: porque são escolhidos para trazer a melhor adequação àquilo que se quer dizer. São parte de uma construção discursiva da verdade que se quer fazer passar nos textos. Referentes são fundamentais.

E assim, o Estadão, que comparava no dia 09 de dezembro, uma vez mais, Lula e Bolsonaro como se fossem “almas gêmeas” (sim, é inacreditável), trouxe Moro também, num parágrafo dedicado a ele, que começava assim: “Recentemente, o ex-juiz Sérgio Moro falou sobre a reação de Bolsonaro com a saída de Lula da cadeia.” EX-JUIZ. EX-JUIZ.

Essa escolha não é aleatória – e também não deve ter sido muito difícil para os editores do jornal. Ela faz com que a relação de Bolsonaro e Moro não seja explicitada aqui. E ainda que possa ser conhecida por muita gente, ela não ganha destaque. E não ganha destaque porque o jornal quer colocar Moro em outro lugar, o da oposição a Bolsonaro. E é por isso que, escandalosamente, neste texto o Estadão assume que almas gêmeas seriam Lula e Bolsonaro, e não Bolsonaro e Moro.

Referentes importam para a elaboração de uma verdade. E muito.